sábado, 19 de maio de 2012

O SEPULCRO DO DRAGÃO



Um conto em homenagem a Edgar Allan Poe


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“...E havia um enorme dragão pousado sobre a pedra e a pedra era opaca. Outros dragões um tanto menores sobrevoavam-na, fitando-a curiosamente. A maior das bestas, ainda descansando em cima da estranha pedra parecia distante de tudo quanto estava a sua volta e seus olhos oblíquos não se importavam com o inferno de chamas ao seu redor. Fumegantes rios de lava brotavam do solo rochoso e seguiam curso destruindo e derretendo tudo, sem, no entanto, danificar a pedra na qual ela descansava.


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“Ao inferno incandescente desse lugar logo somou-se uma poderosa chuva de cinzas expelida por um vulcão distante milhares de quilômetros. E assim, o céu escureceu curvando-se a natureza furiosa, e já não podia-se ver mais nada e a cinzas tomaram o lugar do dia, subtraindo a ordem natural dos acontecimentos. O som das ondas explodiu intensamente arrebentando contra as falésias na praia, e repentinamente já se não ouvia qualquer ruído vindo do mar. E o vento que até então silvara intensamente cessou seu canto, e mesmo os dragões que sobrevoavam e vez por outra emitiam guinchos terríveis emudeceram, e devido a intensa escuridão não pude saber se ainda continuavam planando. Mesmo o maior dos dragões, aquele pousado na pedra, eu não poderia dizer se lá permaneceu.


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“A chuva desabou e tornou-se rapidamente temporal, varrendo impiedosamente tudo em seu caminho e apagou as chamas e a lava. A fumaça subiu ao ar, tornando-o letal a respiração de qualquer ser vivo. Por horas, gases venenosos se espalharam até serem dissipados pelo vento que tornou a soprar. E esse vento, não tardou a se transformar em furacão e eu quase fui arrancado de meu esconderijo, tamanha sua descomunal força. Longos dias se passaram e quando a esperança estava por um fio, a tormenta simplesmente cessou. E as nuvens plúmbeas dissiparam-se, mas o céu já não era da mesma cor e tudo havia mudado...


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“E por três dias percorri a região e, solitário, testemunhei as fantásticas transformações efetuadas pelos fenômenos naturais, dirigidos, sem dúvida, por elementos superiores à minha vã compreensão. Passo a descreve-los, assim como os presenciei.






“O céu era vermelho e, perplexo, fiquei a imaginar o quanto de sangue havia sido necessário para tingir todo o horizonte ao meu redor. Essa cor, tênue pela manhã, acentuava-se e escurecia no decorrer do dia, jamais deixando, porém, de ser carmesim. A completa ausência de nuvens era outra das características, assim como os relâmpagos e trovões que iluminavam e explodiam sem parar, fustigando as elevações rochosas encontradas em diversos pontos da paisagem. O vento incessante parecia cantar tristes melodias com sopro quase fantasmagórico. E ao cair da noite, não observei uma lua, mas três que surgiam quase ao mesmo instante lado a lado, por sobre a maior das montanhas e o brilho desses astros, também vermelho, era diferente, de um modo que não saberia explicar, a não ser pela magia inigualável que em mim eles exerciam.


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“O mar, antes azul, havia se tornado violeta e borbulhava em movimentos convulsivos, como se aquecido em um grande caldeirão e em nada lembrava um oceano. Estas águas, se assim podem ser chamadas, pareciam-me viscosas e realmente eram quentes, e os peixes e toda forma de vida anterior havia cedido lugar a serpentes aladas que ora voavam, ora mergulhavam intrepidamente, caçando umas as outras, as maiores devorando as menores. Anteriormente inexistentes, os rios seguiam o mesmo padrão do oceano violeta e, exceto pela presença das serpentes, fervilhavam e desaguavam das falésias acinzentadas, caindo em cachoeiras sobre a praia de areia escura e lodosa desse paraíso doentio.




“A densa floresta de vegetação rubi que se erguia à minha vista, possuía árvores com caules grossos e retorcidos e das suas copas pendiam cipós ásperos que chegavam a tocar o solo nu. Estas árvores brotavam da própria pedra, pois não havia terra para germiná-las. Arbustos e samambaias gigantes completavam o cenário pré-histórico. A ciclópica hiléia vermelha, cuja profusão de árvores obstruía o olhar, localizava-se agora entre meu esconderijo no alto das colinas e a planície onde estava o dragão e a pedra opaca. Movido por um desejo ardente de rever o dragão em toda a sua majestosidade, desbravei a mata vermelha...


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“...E havia um enorme dragão pousado sobre a pedra e a pedra já não era mais opaca, mas um rubi e o dragão não era mais vivo, mas uma escultura talhada perfeitamente em rocha vermelha. Outros dragões menores não mais voavam, eis que enfileirados à frente do maior, pareciam sentinelas pétreas a guardar preciosamente um templo ou um lugar sagrado. Entendi, desta forma, estar diante do sepulcro do dragão que havia por milhares de anos voado, junto aos seus pares, na imensidão daquela paragem triste e esquecida.


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“Tudo o que acabei de narrar: as paisagens, o céu, o mar e até mesmo a trindade de luas, lembravam, mormente pela cor, sangue. E percebi naquele momento que se tratava do sangue dos dragões, que haviam fabricado um novo mundo em vermelho após sua morte, para que se lembrasse sempre da sua existência, para que se gravasse no líquido vital sua temível história...

“E hoje sei que eu fui escolhido pelos dragões para relatar esses extraordinários acontecimentos, para que jamais se perdessem na memória dos iniciados que ainda acreditam no poder das lendas e das tradições ancestrais. E ainda que não possa mais ser contemplado por olhos mortais, o sepulcro continua lá, iluminado pelas luas, a espera do final dos tempos, quando então, os dragões, novamente, dominarão o céu rubro...”

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