No dia em que escrevi este texto comemorava-se o dia da árvore (21 de setembro). E estava twitando qual canário-terra sobre o tema, e no meio do gorjear no mundo virtual, falava de Iroco, da gameleira, da figueira, e de como as árvores são sagradas e merecem nosso respeito, admiração e nossa submissão. Então me veio a idéia de produzir um pequeno texto sobre as árvores e a Umbanda e as religiões em geral.
Brincando com a idéia de gorjear (canto dos pássaros, lembrando que twitter é um pequeno canto de pássaro na língua inglesa) passarei dos pequenos pios do canário-terra para outro mais audacioso, não pela beleza, mas pela extensão, não como o canto do Uirapuru, mas quem sabe como o canto de um sabiá-laranjeira.
As árvores em suas mais diversas espécies têm papel central na Umbanda. Inúmeros pontos cantados se remetem a estas maravilhas da natureza. Vamos a alguns para ilustrar nossa jornada ao mundo das árvores:
“Oxóssi, Oxóssi na raiz da gameleira, Ogum mora nas matas Pai Xangô lá nas pedreiras.”
“Filho de Oxóssi, e filho de Pemba, ai vem o Rei do Congá, ele vem com a força dos ventos, e de mãe Yemanjá, das florestas da Jurema, na raiz do buriti, da urucaia faz suas magias, com a força de Tupi.”
“Okê, Okê Caboclo, Seu Mata Virgem é da Raiz da Urucaia...”
“Eu corri terra, eu corri mar, até que eu chegue a minha raiz, Ora viva Oxóssi na mata que a folha da mangueira ainda não caiu.”
A origem de muito dos pontos cantados está na tradição yorubá e na tradição indígena brasileira.
Folhas, raízes, árvores, floresta, mata, ilustrações das mais diversas que remetem nosso pensamento as árvores iluminam uma enormidade de Pontos Cantados.Mas não só a música vemos a idéia de árvores. Araçá, mangueira, figueira, goiabeira, jabuticabeira, ipê, jurema, araticum, entre outras espécies dão suas folhas ao axé de nossa Umbanda. Nos banhamos, nos defumamos, com a força das árvores, sem elas não teríamos nossas giras. A coletividade dessas árvores, a floresta, as matas, nos remete ao sagrado, ao mundo mágico e ritualístico, um mundo puro, nos leva à terra de Oxóssi.
Podemos dizer que a Umbanda vive debaixo de uma frondosa árvore, a árvore da vida, que nos liga aos Orixás e assim ao Pai.
Para os nossos irmãos do Candomblé de Ketu, que trazem a tradição dos povos de língua yorubá (nagôs), uma árvore se destaca: o Iroco, ou Iroko. Na África Iroco é uma espécie de árvore (chlorophora excelsa), que em alguns mitos yorubás é descrita como o caminho para que os Orixás chegassem do Orum ao Ayê, por isso Iroco é o Senhor do Tempo e do Espaço. Para estes irmãos Iroco é um Orixá, e em cada Ylê, em cada roça, há uma árvore representando este Orixá.
Como o Iroco, espécie de árvore, é nativa da África, muitos terreiros usaram as gameleiras, sejam as gameleiras (fícus doliaria) tradicionais, seja a gameleira-branca (fícus gomelleira) e em alguns outros casos a figueira-religiosa (fícus religiosa), como uma figura central e de importância ímpar, em substituição ao Iroco.
Sob a sombra de Iroco são depositados axés, entregas e pedidos, a identificação desta árvore sagrada é bem fácil, veja uma frondosa árvore, com raízes expostas e amarrada em seu caule por uma grande faixa branca.
Partindo desta tradição Yorubá quero trazer semelhanças com outras tradições para o nosso deleite e respeito às árvores. Um Iroco, ou uma gameleira, ou a figueira são árvores centenárias, multi-centenárias, ou seja, sobrevivem há muitas gerações. Por isso a representação do tempo e da ancestralidade.
Jesus Cristo para ilustrar a passagem do tempo, e profetizar, usou o nascimento dos brotos em uma figueira (Evangelhos de Lucas e Mateus), ou seja tal qual nossos irmãos africanos a árvore como a senhora do tempo. Aliás, a palavra figueira aparece em 50 textos da Bíblia.
O significado da figueira na maioria das passagens bíblicas é o povo judeu, ou ao povo de Deus. Veja a parábola dos frutos bons e ruins. Se uma figueira não produzir mais frutos bons, deve secar. Ou seja, aquele povo que não mais produzir bons frutos, amor e caridade, não terá muito tempo de sobrevivência.
Outros momentos Jesus usa a figueira como um espaço sagrado de paz, prosperidade e segurança. Quando Jesus é apresentado a João por Filipe, afirma já o vira sentado nas sombras da figueira. Este símbolo remetia a João como apóstolo, pacificador e escolhido.
Mantendo a figura de um homem sentado embaixo da figueira, como uma profetização de paz e prosperidade, passemos a observar a figueira para os Budistas. Buda alcançou a revelação e iluminação embaixo de uma figueira (fícus religiosa), árvore venerada por esta razão. Ambas as doutrinas trazem a imagem de um homem sentado embaixo da figueira, figueira esta onde os yorubás acreditam estar o Axé, onde os Orixás chegam do Orum. Incrível não é?
Ilustrando este texto, para termos uma dimensão da importância da árvore na tradição hebraico-cristã, o vocábulo "árvore" aparece mais de 119 vezes na Bíblia, sem contar as dezenas de citações envolvendo nome de árvores como a figueira, a videira, a romã, etc. (para quem quiser no final apresento alguns capítulos e versículos com algumas destas citações)
A figueira que produz o figo comestível (fícus carica), objeto da maioria das ilustrações nas parábolas de Jesus Cristo, tem para os judeus um destaque. O figo é um dos 7 alimentos sagrados que crescerão na Terra Prometida (Torá – Deut.8). (Os outros seis alimentos são cevada, trigo, uva, romã, oliva e tâmara).
Desta mesma figueira encontraremos a “roupa” de Adão. Foi com as folhas da figueira que Adão encobriu seu nu (Gênesis). A figueira é uma das três árvores do jardim do Édem, as outras duas eram a árvore da vida e a árvore do bem e do mal (Gênesis).
A arca de Noé teria sido construída com madeira proveniente da figueira, e assim vamos longe. Árvore, vida, profetas, iluminação, axé, paz, a sensação de sombra e água fresca.
A semelhança entre as diversas tradições religiosas produz momentos interessantes. Quem for visitar (recomendo a viagem) a Ilha de Campeche em Florianópolis se deparará com uma enorme e frondosa figueira olhando e zelando por todos os barcos que chegam. Os guias afirma que as figueiras da ilha, exóticas (ou seja, não eram naturais daquele local), foram levadas e plantadas pelos escravos negros. Na explicação uma das guias falava que os negros haviam sido catequizados e traziam as figueiras para simbolizar a visão profética de Jesus.
Imediatamente abri um sorriso, olhei para a árvore e senti uma força de Exu incrível, não me contive e falei. “A figueira está aqui porque é sagrada, é morada de axé, força de Orixá, planta sagrada de Exu”, e rapidamente contei um pouco do que sabia, que já era pouco, sobre a importância desta árvore para os cultos de nação e para os candomblés.
No centro de Curitiba, praça Tiradentes, existem frondosas árvores que ao que tudo indicam são Irocos, ou seja, marcam a presença dos negros e do axé, justamente no entorno da Igreja mais antiga da cidade, a basílica de Nossa Senhora dos Pinhais!
Rapidamente pode-se ver que as árvores estão presentes nas mais diversas tradições. E desta afirmação surge um pensamento que me intriga:
Como é possível ao ver que todas as tradições ocidentais e orientais tratam a árvore como elemento sagrado, como morada de Deus, como espaço para iluminação, e ainda não cuidamos das florestas? Como não garantirmos que as reservas florestais de nosso país e de nosso mundo sejam preservadas?
A Umbanda é para mim a figueira frondosa sob a qual me sento, sob a qual medito, bebo da água que cai de suas folhas, como de seus frutos, recebo o axé de sua vida, e de seus galhos e troncos recebo proteção.
Sarava e bom dia da árvore para todos.
Pai Caetano de Oxóssi
Textos bíblicos
É árvore de vida para os que dela tomam, e são bem-aventurados todos os que a retêm
(Provérbios 3:18)
Passagens da bíblia (Mateus 7:17-19, 12:33, 3:10, Ezequiel 17:24, Gênesis 2:16e17, 3:11 e 12, 18:4, 3:3, 18:8, Jó 19:10, 14:7, 24:20, Provérbios 3:16, 13:12, 15:4, 11:30, Lucas 22:2, 2:7, 7:1, 22:14, Eclesiastes 11:3, Deuteronômio 12:2, 2 Crônicas28:4, Isaías 57:5, Daniel 4:14, 4:20, 4:26,