domingo, 18 de abril de 2010

OFICIALMENTE VELHO (Texto de Leonardo Boff).


OFICIALMENTE VELHO (Texto de Leonardo Boff).

Por Leonardo Boff - Adital - do Rio de Janeiro

Neste mês de dezembro completo 70 anos: diz Leonardo Boff.

Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou
próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é
uma outra etapa da vida, a derradeira.

Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos,
perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as
coisas.
De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas.

Mas há um outro lado, mais instigante.
A velhice é a última etapa do crescimento humano.
Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar
dificuldades e ao moldar o nosso destino.

Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer e, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar
de nascer; quando então entramos no silêncio e morremos.

A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e
finalmente terminar de nascer.
Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "NA MEDIDA QUE DEFINHA O HOMEM EXTERIOR, NESTA MESMA MEDIDA REJUVENESCE O
HOMEM INTERIOR"(2Cor 4,16).

A velhice é uma exigência do homem interior.
Muitas vezes perguntamos: Que é o homem interior?
O homem interior é o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa
marca registrada, a nossa identidade mais radical. Identidade esta que devemos
encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe.
Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis:
Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator de algumas
revistas, (inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano), submetido ao
"silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é
relativizado e vira pura palha. Quando então deixamos o palco, tiramos as
máscaras e nos perguntamos:
Afinal, quem sou eu?
Que sonhos me movem?
Que anjos que habitam?
Que demônios me atormentam?
Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério?
Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior e a resposta nunca é
conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.
Este é o verdadeiro desafio para a etapa da velhice.
Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos
defina.

Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar
sentidos de vida.
Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma
vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria.
É ilusão pensar que esta sabedoria vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual
vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro
Natal.

Por fim, o que importa preparar o grande Encontro.
A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da
morte.
Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia.
Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho
os olhos voltados para a eternidade".

Por fim, este jovem ancião alimenta dois sonhos: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o
próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de
rua e poetisa:
"eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de
Deus.
Parafraseando Camões, completo: Mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.

Leonardo Boff é teólogo

Menestrel do Amor
Publicado no Recanto das Letras em 12/04/2009

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