quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O perigo da semente


O relato a seguir é verídico e foi  adaptado apenas para fins literários.
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Tudo começou com uma ideia que parecia inofensiva: A partir daquele dia, na pequena hortinha no fundo do quintal, eu deixaria as hortaliças completarem seu ciclo de vida. Em outras palavras, deixaria elas produzirem sementes. Esperava assim não precisar comprar mudas ou sementes com tanta frequência.
Eu não fazia ideia do que aconteceria depois disso.
No início fiquei fascinado, descobri flores que eu jamais tinha imaginado existirem, entrei em extase quando vi desabrochar a primeira flor da chicória, de um lilás exuberante ela passou a enfeitar a minha horta. As primeiras sementes vieram, amadureceram, foram colhidas e semeadas.
Ah se eu soubesse…
Tudo parecia bem, as mudinhas cresceram como esperado mas algo que eu não tinha previsto começou a acontecer: nem todas as sementes foram colhidas, algumas simplesmente se espalharam desordenadamente pela horta, caíram em canteiros que não lhes tinham sido destinados e foram levadas por pássaros para lugares ainda mais indevidos.
Acabei ficando com dó de arrancar as plantas, não achei que as consequências seriam tão grandes.
Com o passar dos meses fui perdendo o controle, a horta ficou bagunçada. Alface nascia do lado  do tomate, as cenouras brotavam por toda parte, framboesas e physalis cresciam ao pé de outras árvores e os canteiros de flores da minha mãe agora estavam infestados de comida.
Talvez eu devesse ter parado mas acabei me acostumando com a ideia e deixei a natureza seguir o seu curso.
Com o tempo não era mais apenas a bagunça, eu tinha um outro problema, a horta tinha se alastrado por todo o pátio. O pátio até que ficou bonito, começou a chamar a atenção, e para não fazer feio começamos a caprichar cada vez mais, eu não poderia admitir pros vizinhos que eu não estava no controle, comecei então, eu mesmo, a fazer canteiros.
Mais um problema. A produção ficou grande demais, e como todo mundo sabe, é pecado jogar comida fora. A solução, ou assim eu pensava, foi dar o excedente aos vizinhos. Ruibarbo para um, espinafre para o outro e em pouco tempo eu tinha as crianças dos vizinhos grudados na cerca pedindo morangos. Dias depois observei uma dessas crianças andar de um lado para o outro com uma enxada na mão, achando que aquilo era algo a ser copiado.
E não foi só isso, os vizinhos não entenderam nada. Ao invés de perceber que eu estava tentando me livrar das sobras eles ficaram felizes, vinham para a cerca conversar e insistiam em retribuír. Quando não era um convite para o café, um pacote de biscoito caseiro ou um pedaço de torta das frutas da minha horta, era um casaco que tava sobrando ou alguma outra coisa que eu talvez pudesse usar.
Para me livrar das folhas que já não serviam para consumo eu jogava elas por cima da cerca para as galinhas de um dos vizinhos. Em pouco tempo começaram a chegar os ovos para retribuir.
Um amigo resolveu agradecer doando esterco das suas vacas. Ovos valem mais do que restos de folhas, esterco mais do que as poucas verduras, logo, eu tenho que dar mais verduras, mas e depois? Ganho mais esterco, minha horta produz mais e eu tenho que achar outra pessoa para quem dar mais hortaliças.
Entrei em um ciclo vicioso. Cada vez mais comida, cada vez mais sorrisos, mais conversas e mais sementes. Já não preciso mais ir ao mercado comprar hortaliças, faz anos que eu ganho tanta roupa que não posso mais ir ao shoping comprar minhas próprias, passo tanto tempo na horta que mal sobra tempo para a internet, nem lembro quando foi a última vez que eu assisti televisão.
Sinto que eu estou perdendo o controle das coisas.

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