sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O Guardião da Meia Noite.

O Guardião da Meia Noite.




APRESENTAÇÃO DO AUTOR

Quando comecei a receber a inspiração para escrever este livro, preparei-me mentalmente, pois Pai Benedito havia me dito:

“Vou historiar uma experiência fascinante de um velho amigo seu, que pagou o preço do desafio ás leis eternas do amor e da compreensão”.
Ninguém fica impune quando desafia a Lei e, em conseqüência, enquanto não purgar todo vício que o conduziu na afronta a Ela, não receberá outra coisa que não o tormento da fúria divina, que o perseguirá por quanto tempo for necessário, até que desperte do pesadelo que está adormecido o seu ser imortal.

É uma experiência que está sendo vivida neste instante por milhões de espíritos que não souberam controlar seus instintos mais viciados, e se deixaram se levar pelas falsas aparências das situações que, se vistas com amor e com respeito pelos semelhantes, o levariam ao sétimo céu. Mas, como não foi isto que aconteceu com o Barão, então contemos a fascinante história do Guardião da Meia-Noite.

Fascinante porque nos revela de modo humano, o estranho desenrolar da vida desse personagem que tinha tudo para ser uma vida tranqüila, mas que, infelizmente, pela forma como agiu, provocou seu tormento, mesmo depois de morto seu corpo carnal.
O Guardião da Meia-Noite é o personagem real que mais coragem teve ao nos contar sua terrível história. Hoje ele é um dos melhores servidores da luz da Lei.

Mas como todos os romances, contos místicos e histórias de Pai Benedito de Aruanda tem por finalidade ensinar-nos algo, espero que esta narrativa possa trazer um pouco de esclarecimento sobre as coisas divinas que se encontram espalhadas nas frases, diálogos e situações vividas pelos personagens, todos humanos e em constante evolução, que povoam o desencadeamento dramático da história do Guardião da Meia-Noite. (RUBENS SARACENI)






UM ERRO GERA OUTROS ERROS
Eu estava sentado e meditando sobre minha vida, quando um ente espiritual se aproximou e me saudou:
_ Salve, Taluiá!
_ Salve, amigo! Como vai?
_ Hoje estou ótimo.
_ Fico feliz em ouvir isto. Mas porque tanta alegria se era tão calado?
_ Houve uma grande mudança em meu modo de ser.
_ Como assim? Mesmo a pós a morte, quando resta apenas a alma, ainda há mudanças?
_ Sim! Gostaria de ouvir a minha história?
_ Claro, nada tenho a fazer no momento. Talvez sua história me ajude em algo. Conte-a, estou ouvindo.
_ Bem, você já me conhece há muito tempo, certo?
_ Sim, são muitos anos de esforço conjunto dentro da Lei.
_ Pois é, mas fique sabendo que eu já fui um grande fora da Lei.
_Como foi isso, meu amigo?
_ Tudo começou há duzentos e trinta anos atrás. Eu era um barão, um homem rico e poderoso. Tinha muitas terras, escravos, plantações e muitas parelhas de animais. Eu vivia do transporte da produção de alimentos do planalto até o porto de Santos.

_ Como isso era feito?
_ Através de carroções com rodas de madeiras, puxados por parelhas de bois ou de burros. Cavalos não eram bons para este serviço.
_ Entendo. Continue, não quero atrapalhar a sua história.

_ Bem, eu era o maior transportador da região, por isso era muito bajulado por todos. Se eu não gostasse de alguém, seus produtos se perdiam, pois não chegavam até o porto, para posterior exportação.
Por isso todos procuravam ser amigos meus. Eu sabia do poder que possuía, e também me aproveitava disso. Sempre que podia, procurava tirar vantagens da minha posição. Acabei recebendo título de barão, pois tinha alguma influência na corte real de Portugal.

Quando ganhei meu título de nobreza, fiz uma grande festa para todos os meus amigos. Estava exultante com a minha nova posição. Os anos foram passando, e eu comecei a pensar: “Riquezas eu já possuo, e muitas terras também. O que mais pode me interessar? “

_ Sim, o que mais?
_ Uma mulher, meu amigo.
_ Você não era casado?
_ Não. Estava com quarenta anos e nunca tinha pensado em me casar.
_ Mas até esta idade nunca tinha pensado em mulheres?
_ Não é bem assim. Eu tinha muitas escravas, e também mulheres brancas que vinham de Portugal. Conhecia, e muito bem, o prazer da boa companhia feminina.
_ Então...
_ Sim, achei que devia escolher uma para ser minha esposa.
_ Acho isso muito bom!
_ Errado, amigo Taluiá. Foi aí que eu cometi o grande erro de minha vida.
_Só porque pensou em se casar?
_ Sim. Logo que resolvi fazer isto, comentei com um amigo íntimo a minha intenção de fazê-lo. Disse-lhe que iria escolher uma moça bonita e preparada para ser minha esposa. Logo, toda colônia estava sabendo. Amigo íntimo é bom para isto: você lhe conta um segredo, e logo todos sabem o teu segredo. Só você não sabe que seu segredo já não é segredo, pois corre como um serelepe.
_ Isto é verdade. Segredo só é segredo quando apenas um o conhece. Se dois souberem, não o é mais. Vira notícia.
_ Vejo que você já revelou algum segredo seu e teve o desgosto de vê-lo virar notícia, não?
_ Sim, mas aprendi a lição. Hoje só revelo segredos que desejo ver virarem notícias.
_ Faz bem agir assim, pois foi por causa de um segredo que eu me arruinei na vida.
_ Você perdeu a fortuna?
_ Não, não! É que meu “amigo” começou a espalhar que eu procurava uma esposa. Logo, sem que eu soubesse porque, comecei a receber convites para almoço, jantares e festas. Não tinha mais tempo de ficar em minha casa. E as jovens se insinuavam para mim como rameiras a se oferecerem para quem pagasse melhor. Como eu não suspeitava de nada e era muito rico, achei que era pelo meu título que se insinuavam. Descobri uma forma especial para me aproveitar disso. Pouco a pouco, comecei a ser íntimo de muitas delas.

_ Muito íntimo?
_ Sim, muito íntimo.
_ Hã, já entendi. Um conquistador de corações apaixonados, não?
_ Errado! Corações interessados em minha fortuna e meu título de nobreza, conseguido após eu pagar uma elevada soma a alguém.
_ Compreendo.
_ Pois bem. Algumas eram realmente belas, meu amigo. E como eram fogosas as raparigas! Para mim não havia outra vida melhor. Conseguia provar o gosto de quase todas. Não sabia qual a mais saborosa, mas que importava este detalhe?

Eu era um nobre rico e poderoso, e elas, ovelhas indefesas para as presas de um lobo como eu. Com o tempo, comecei a me cansar dessa situação. Achava que as mulheres eram todas muito fáceis de seduzir. Com isso, resolvi não mais me casar. Já pensou o que poderia acontecer em uma de minhas viagens de negócios, deixando-a só por muito tempo?
_ E o que fez então?

_ Resolvi fazer uma viagem a Portugal. Arranjaria lá, uma esposa. Teria que ser bem jovem, para eu poder educá-la a meu modo. Quando lá cheguei, comecei minha busca. Encontrei uma jovem muito bonita, um encanto de beleza feminina.
Ainda era muito jovem, tinha quatorze para quinze anos. Com o auxílio de amigos influentes, fui apresentado ao pai dela. Com toda minha fortuna, não foi difícil arrumar o casamento.

_ Quem era ela?
_ Filha de um ministro do rei, um visconde.
_ Como se chamava?
_ Isso não posso dizer-lhe, mas o nome dela aparece nos livros de história de Portugal.
_ Entendo. Continue, meu amigo.
_ Bom, depois de tudo acertado, nos casamos com grande pompa. Não poupei dinheiro. Era vaidoso também. Até o rei estava em nosso casamento.
Após a festa de núpcias, tentei um primeiro contato com ela, mas devido a sua idade, não foi possível, pois ela era muito tímida. Eu não queria magoá-la, iria conquistá-la aos poucos.
_ Louvável sua atitude.
_ Certo. Resolvi voltar para o Brasil, teria muito tempo durante a viagem. Dois dias após o casamento, voltei. Ela veio chorando o tempo todo, por causa da separação da família.






Eu procurava uma forma de conseguir torná-la uma mulher feita, mas não havia jeito. As lágrimas caiam todas as vezes que eu a tocava. Assim, logo desembarcávamos em Santos. Quando chegamos à minha casa, a mais bela do porto, ela acalmou-se um pouco. Durante a noite, eu forcei um pouco e consegui o meu intento. Mas, qual não foi minha surpresa ao ver que ela não era virgem!

_ Como soube disso?
_ Simples. Não manchou o lençol branco.
_ Só por isto?
_ Sim. Se todas aquelas que eu havia possuído sangravam, porque não ela?
_ Tudo bem, não precisa se exaltar foi só uma pergunta. E o que você fez? Expulsou-a de casa, ou devolveu-a ao pai?
_ Nem uma coisa, nem outra. Achei que se fizesse algo assim, o pai iria se ofender, e eu poderia me complicar na corte de Portugal. Afinal, a família era das mais influentes na Metrópole.
_ E o que fez então?

_ Falei sobre isso com ela. Disse-me que era virgem antes de casar. Jurou-me isto ante Deus. Eu não acreditei. Que estúpido eu havia sido! Fui tão longe para achar uma jovem em quem pudesse confiar, e acabei trazendo uma que já conhecia o prazer. E o pior é que eu não podia devolvê-la sem ser humilhado. Além disso, iria provocar a ira da família dela.
_Que situação, hein? Não foi um castigo por ter me aproveitado de tantas jovens que pensavam em tornar baronesas?
_Foi o que me ocorreu na época. Eu havia sido castigado por meus poucos escrúpulos.
_ Então resolveu calar-se e usufruir da beleza de sua esposa, não?
_ Errado, amigo. Usufrui de sua beleza, porém comecei a arquitetar um plano para vingar-me da traição. Já que não podia fazer nada, iria me livrar dela.
_ Mas ela não era bonita?
_ Sim.
_ E não era uma boa esposa?
_ Sim, era uma ótima esposa, muito delicada e caprichosa com nossa casa.
_ Então porque fez isso?
_ Sentia-me humilhado. Arquitetei um plano infalível.
_ Todos os dias ela ia dormir às oito horas em ponto. Não falhava um dia, era um hábito antigo. Conversei com um escravo. Era um crioulo. Ele assutou-se com o que propus.
_ E o que você lhe propôs?
_ Falei-lhe que eu queria que ela tivesse um filho, mas, como eu não podia dar um a ela, ele seria o macho, tal como fazia com as negras na senzala.
Disse-lhe também que, depois disso, ele seria um liberto.
_ E ele aceitou?
_ Sim. Quem, na situação dele, não aceitaria? Ainda mais sendo o amo quem o mandava fazê-lo.






Exigi que ficasse deitado nu ao lado dela, até que ela acordasse. Deveria ficar em silêncio ao seu lado e, quando ela acordasse, aí sim, a possuiria. Disse-lhe também que, no escuro, ela não perceberia nada a princípio, e que quando isso acontecesse, já seria tarde. Ele topou. À noite, por volta das seis horas, eu sai de casa. O escravo estava instruído para entrar no quarto às nove horas. Deixei com ele o meu relógio, para que soubesse a hora certa. Fui até uma cantina ao encontro de alguns amigos. Ficamos a conversar até tarde. Por volta das nove horas, convidei-os para passarem em minha casa para bebermos um vinho especial vindo de Portugal. Quando chegamos, pedi um pouco de silêncio, pois não queria acordar minha esposa, caso ela estivesse dormindo. Entramos em silêncio, e falei:

_ Esperem um instante, que vou ver se ela já esta dormindo.
_ Vá, nós o esperamos em silêncio.
Entrei na casa, que era grande, e fui até o nosso quarto. Assim que entrei, dei um grito de espanto e ira.
_Vagabunda! Enquanto estou com os amigos, me traí com meu escravo?
Todos correram até a porta do quarto. O negro pulou nu da cama e encolheu-se num canto. Estava assustado, sem compreender o que havia acontecido de errado naquilo que tínhamos combinado. Minha esposa estava assustada. Assim que gritei, ela acordou e me olhou espantada. A cara de sono ajudou muito meu plano.
Um dos meus amigos sacou de uma pistola e atirou no negro, quando ele correu para a janela tentando fugir, tal o medo que sentia.
O tiro foi certeiro. Varou-lhe as costas na altura do coração, e ele caiu de bruços, no parapeito da janela.






Não era isso que eu tinha planejado, não a morte do escravo. Eu só queria desmoralizá-la, mas já que ele estava morto, continuei com o plano. Fui até ela e esbofeteei-a várias vezes. Começou a sangrar, estava com os lábios feridos.
Chamei os amigos para a sala, e pedi que saíssem, pois eu estava muito abalado.
_ Nós vamos, mas caso o senhor precise de nosso testemunho estamos às suas ordens.
_ Poderiam tirar o corpo do negro do meu quarto?
_ Sim, nós o enterraremos longe da sua casa e depois falaremos com o capitão da guarda sobre o ocorrido.
_ Eu lhes agradeço.
_ E o que vai fazer com sua esposa? Não vai matá-la, vai?
_ Não, isto não. Vou expulsá-la desta casa hoje. O vigário precisa saber disto, pois vou anular o nosso casamento. “Uma afronta dessas deveria ser lavada com sangue!” exclamei.
_ Não faça isto. O melhor é mandá-la de volta para Portugal, eles que a recebam de volta. Imagine, uma mulher branca, e de família nobre, se deitar com um escravo. Ainda falamos mais um pouco, e depois saíram com o corpo do negro. Minha esposa estava aos prantos, encolhida na cama, beirando á histeria. Eu ainda a ofendi mais um pouco. No dia seguinte ela iria abandonar aquela casa, falei. Poderia ficar aquela noite, apenas para não ficar ao relento.
_ O que ela disse? Ou não reagiu.
_ Jurou que não sabia o porquê de tudo aquilo, que não sabia da presença do negro em nossa casa. Jurou, também, que ele não havia tocado nela, pois até a minha entrada no quarto ela estava dormindo. Eu não lhe dava ouvidos. Ela chegou a me mostrar que estava com todas as suas roupas íntimas. Não lhe dei chance alguma, pois fora eu quem arquitetara o plano. Nisto, bateram à porta. Um amigo voltara com o capitão e o vigário á minha casa. Assim que abri a porta, ele me perguntou:
_ Você não fez nada com ela, não?
_ Já me decidi, não vou sujar minhas mãos com sangue de uma vadia. Vou sair de casa esta noite, amanhã ela vai sair desta casa, não fica aqui nem mais um dia.
O vigário entrou no quarto. Pouco depois, voltou dizendo que ela jurava por Deus que era inocente.
_ Então, nós não vimos nada? Foi tudo ilusão, não padre? Será que está do lado dela?
_ Não ponha palavras em meus lábios, apenas estou repetindo o que ela me falou, barão.
_ Vamos, meu amigo, diga ao vigário como estava o negro, quando nós o vimos.
_ Sim, vigário, é verdade. Ele estava nu na cama. Suas roupas ainda estão lá, se o barão não as jogou fora.
_ Eu não toquei em nada. Vamos ver se ainda estão lá, ou se ela as escondeu também. De fato, as roupas do negro estavam ao lado da cama.
_ Vê isto vigário? Acha que cinco pessoas que viram a mesma coisa iriam se enganar?
_ Não foi isto que eu quis dizer. Talvez o negro tivesse entrado naquele momento.
_ Quer que eu acredite nisto também?
_ Sempre há a dúvida.
_ Neste caso, não. Eu sempre ia à cantina com os meus amigos e voltava tarde. Quantas vezes não terá me traído? Eu me mostrava enfurecido.
_ Eu vou leva-la para a paróquia por esta noite, amanhã decidiremos o que fazer.
_ Para mim está decidido: ela volta para sua família em Portugal! Aqui nesta casa não entra mais, já me decidi.
_ Vou sair um pouco. Quando voltar não quero vê-la mais aqui _ falei olhando para ela com ódio. Sai com meus amigos. Já era madrugada quando voltei, ela já não estava mais lá. Tinha levado somente algumas peças de roupa e nada mais. Nem suas jóias levou. Eu tomei um copo de aguardente e recostei-me numa cadeira de balanço na varanda. “Consegui me vingar”, pensei. “Agora ela vai ser o que sempre foi, uma rameira”. Acabei adormecendo, depois de um segundo copo de aguardente. Fui acordado de manhã pelo vigário.
_ Ela fugiu, barão! Não sei como, mas ela não estava mais na paróquia hoje cedo.
_ Não sabem para onde ela foi?
_ Não temos a menor idéia. Acho que ela ficou muito envergonhada por ter sido flagrada com o negro na cama.
_ Isto prova o que eu afirmei ontem à noite.
_ Onde será que ela se escondeu? O senhor tem alguma idéia?
_ Não e também não irei procura-la.
_ Vou ver se a encontro por ai. Não podemos deixa-la jogada num canto qualquer. Poderá cometer alguma loucura, pois ainda é uma criança.
_ Para me trair não era uma criança, vigário. Acho que é mais esperta que nós dois juntos.
_ Não diga isso, barão. Ela cometeu apenas um deslize.
_ Um deslize que me desonrou.
_ Bem, isto é verdade. Todos estão comentando sobre o fato. Acho que o senhor será motivo de piadas maldosas por algum tempo. Até mais tarde, barão!
Depois que o vigário foi embora, fiquei pensando no que ele falou: eu não tinha pensado nisto, mas agora era tarde. Teria que me fazer de surdo às risadas dos amigos. Já aparecera a primeira falha no meu plano quando o negro foi morto. Agora a segunda.






Precisava estar preparado para quando a família dela soubesse do caso. Mais tarde o vigário voltou à minha casa:
_ Não a encontramos em lugar algum, ela desapareceu de vez. Procuramos por todas as estradas, ninguém a viu.
_ Estranho. Onde ela terá se enfiado. Será que está escondida em alguma casa?
_ Não. Nós procuramos nas casas também, ninguém a ocultou.
_ Logo ela aparecerá caso não a tenham ocultado. A fome e a falta do conforto farão com que volte para a cidade.
_ Assim espero, barão. Gostaria que nada disto tivesse acontecido, Era tão criança ainda. Não sobreviverá nas selvas e isto me deixa muito triste. Eu comecei a pensar nisto como mais uma falha. Não tinha pensado nesta possibilidade. E se ela viesse a suicidar-se?
_ Vou chamar os empregados para que vasculhem tudo. Haverão de encontra-la esteja onde estiver. E todos foram procura-la. A busca se estende até o planalto. Nada, ninguém a tinha visto. Eu fiquei triste por isto. De certa forma eu é quem a havia impelido a isto. A culpa era toda minha. Passaram- se dois meses e nem sinal dela.






Foi neste tempo que seu pai chegou a Santos. Alguém fora a Portugal e contara sobre o ocorrido. Ele veio direto à minha casa. Eu o recebi meio bêbado. Havia adquirido o hábito de beber muita aguardente para aliviar minha consciência. Afinal, era de fato uma criança ainda. Poderia ter cometido algum deslize sem maiores conseqüências. Falei pouco com seu pai.
_Conte-me o que houve com minha filha, senhor barão.
_Vou falar-lhe, senhor ministro, mas não muito, pois não quero expor minha dor.
_Eu vim aqui para ouvir a verdade não sua dor, a minha também é muito grande.
Eu olhei para aquele homem. Tinha um ar nobre e leal. Quase lhe contei a verdade.






Devia ter feito isto, pois teria evitado um problema muito grande no futuro mas não tive coragem suficiente e contei-lhe minha versão do ocorrido.
Quando terminei, vi um homem digno conter seu pranto. Nos seus olhos cheios de lágrimas eu vi o tamanho de sua dor.
_Como pode uma coisa destas acontecer na vida de uma pessoa como minha filha? Jamais iria me passar pela cabeça que ela fosse mudar tanto em tão pouco tempo. Não uma menina como ela, que sonhava em entrar para um convento desde que era uma criancinha. Como pode ter mudado em tão pouco tempo?
_ Eu não sei dizer, pois aqui ela tinha todo conforto que tinha quando estava em sua casa, senhor.
_ Não duvido disto, pois estou vendo o luxo de sua residência.
_ Talvez uma separação tão brusca tenha alterado a sua formação.
_ Isto nunca. A formação dela foi ministrada desde o berço, não mudaria somente por causa da separação.
_ Quem sabe ela não gostava de mim e procurou vingar-se traindo-me com um negro.
_ Isto é possível, desde que o senhor a tratasse mal.
_ Eu nunca a tratei mal, gostava muito dela.
_ Então, é um mistério que só terá uma boa explicação quando nós a encontrarmos.
_ Já a procuramos por todos os lugares possíveis, ninguém a viu.
_ O senhor não teria nada a ver com o seu desaparecimento, não senhor barão?
_ Deus me livre disto. Não teria coragem de tirar-lhe a vida por nada deste mundo.
_ Assim espero, senhor barão. Até logo.
_ O senhor não quer ficar hospedado em minha casa?
_ Não. Depois de tudo que houve não tenho condições de aceitar o seu convite, obrigado.
_ Caso mude de idéia, minha casa está às suas ordens.
E ele foi embora. Ia cabisbaixo, mil idéias deviam estar lhe passando pela cabeça, pensei. O fato é que nunca mais o vi. Alguns dias depois voltou para Portugal, sem notícias de sua filha.

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